Blimunda? Blimunda Sete-Luas? Conheci. Se querem saber, conheci-a no romance de José Saramago e mais tarde no ateliê do pintor e escultor Rogério Ribeiro, na Rua Artilharia Um, quando lá fui certa vez acompanhando o António Borges Coelho, que ia ver a paginação das Crónicas de Fernão Lopes. Pois comecei por ficar deslumbrado com os 25 painéis da pintura de Rogério Ribeiro para as Crónicas, com texto revisto e fixado pelo grande António Borges Coelho, e depois tive a oportunidade de conhecer outras obras e estudos do pintor.
Até que, em determinado momento, Rogério Ribeiro nos apresentou:
- E esta aqui é a Blimunda. Blimunda Sete-Luas.
Eu conhecia a alma de Blimunda, personagem magistral de José Saramago que recordava desde a primeira edição do Memorial do Convento (1982), um romance absolutamente ímpar na literatura mundial. Mas não estava a ligar o nome à pessoa até ver a pintura de Rogério Ribeiro, naquele tarde de Outono, em que o António Borges Coelho, depois de um almoço na tertúlia dos Empatados, me levou ao ateliê do pintor. Sim, era exatamente ela, tal como Saramago a criara no papel - concebida sabe-se lá desde quando, talvez ainda na vila da Azinhaga, e nascida na casa vazia onde Sebastiana Maria de Jesus a parira -, e a quem o Rogério Ribeiro dera por fim uma imagem, feições, um olhar. O caso deu para a conversa enquanto acompanhei o António Borges Coelho ao Cais de Sodré, onde apanhou o comboio para a Parede. E quanto à Blimunda nunca mais a vi.
Luz e sombra, Sete-Sóis, Sete-Luas |
Até que um dia destes, numa das deambulações por Lisboa à procura da cidade que todos os dias olho mas nem todos dos dias vejo - como diria o Bastos - os olhos me ficaram presos num painel de azulejos de uma fachada que ali estava perante mim como uma aparição.
- Blimunda! Blimunda Sete-Luas! Há quanto tempo!
Respondeu-me com um leve cumprimento de cabeça e um breve movimento de olhar, pareceu-me. O mais provável é que não queira confirmar a identidade para evitar as excursões de mirones e paparazzi a perturbarem-lhe o sossego.
Percebi a mensagem e fiz-lhe a vontade. Fica a imagem da verdadeira Blimunda, a única autenticada pela identificação entre dois autores, José Saramago e Rogério Ribeiro, mas não revelo o paradeiro como não revelei previamente a agenda do encontro de Blimunda com Gabriela. Digo apenas que foi em Lisboa.
A cena não se passou na corte de D. João V. A ação não se desenvolveu em Mafra, durante a construção do Convento, nem tão pouco num auto de fé no Rossio. O encontro deu-se em Lisboa, no dia 10 de Agosto de 2012, quando se cumpriram 100 anos sobre o nascimento do escritor brasileiro Jorge Amado, celebrado em Lisboa na Fundação Casa de José Saramago.
E foi nessa festa de aniversário, no terreiro em frente à Casa dos Bicos, em Lisboa, que duas grandes personagens femininas das literaturas de Portugal e do Brasil tiveram oportunidade de se conhecer: Blimunda de Jesus, a Sete Luas, e Gabriela, simplesmente Cravo e Canela.
Esteve lá “toda a gente”, como costuma dizer-se: o Padre Bartolomeu de Gusmão, com os planos da Passarola, Baltasar Mateus, por alcunha Sete-Sóis, mas também o Dr. Mundinho e o sírio Nacib, e ainda Tonico Bastos, tão à vontade como se estivesse no bar Vesúvio ou no Bataclã.
Foi a 10 de Agosto de 2012, na Fundação José Saramago, Casa dos Bicos, Lisboa.
Jorge Amado, lá onde está, aproveitou para fazer 100 anos. E toda o mundo comemorou.
Texto de João Francisco. Fotografia de Francisco João (direitos reservados).
Sem comentários:
Enviar um comentário