sexta-feira, novembro 30, 2012

Fé e Património na Baixa de Lisboa


Nossa Senhora da Oliveira
Quem passar à porta do número 140 da Rua de São Julião, dificilmente imaginará que no rés-do-chão daquele prédio de três andares há uma nave com um teto em abóbada decorado com pinturas do século XVIII e paredes revestidas a um terço da altura por azulejos oitocentistas. E no entanto é assim a Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, o mais discreto dos cinco templos católicos da Baixa de Lisboa.
Nossa Senhora da Vitória
Na Igreja de Nossa Senhora da Vitória, na rua do mesmo nome, há uma imagem em madeira policromada de Nossa Senhora, atribuída a Machado de Castro. A Igreja foi construída no século XVI mas ruiu com o terramoto de 1755. A reconstrução só terminou em 1824. É essa a Igreja da Rua da Vitória, constituída por uma nave e uma capela-mor cobertas por abóbadas.


São Nicolau
Igreja da Madalena
A Igreja de São Nicolau fica na Rua da Prata e tem origens no século XII mas o edifício atual é do século XVIII, tendo sido restaurado em 2003. Tem uma nave única, com teto com pinturas de Pedro Alexandrino representando as virtudes teologais: Fé, Esperança e Caridade. O interior é rico em talha dourada.

A Igreja da Madalena situa-se no Largo com o mesmo nome, onde começa a subida para a Sé. A Igreja da Madalena tem origens nos tempos da fundação da Portugal mas foi destruída por um incêndio no século XIV, um ciclone no século XVII e também pelo terramoto de 1755. A reconstrução demorou até 1833. O portal da Igreja da Madalena, em estilo Manuelino, é monumento nacional desde Junho de 1910.

Nossa Senhora da Conceição Velha
O magnífico portal da Igreja de Nossa Senhora da Conceição Velha é de grande riqueza de pormenores Manuelinos - anjos, flores, esferas armilares. O templo original foi mandado construir pela viúva de D. João II, D. Leonor, e recebeu o nome de Igreja de Nossa Senhora da Misericórdia. Mas o templo foi destruído pelo terramoto de 1755 e no mesmo lugar ergueu-se a Igreja de Nossa Senhora da Conceição Velha. Com a reconstrução, no século XVIII, o templo recebeu muitos elementos decorativos do período Manuelino, como é o caso do notável portal que se destaca na Rua da Alfândega. Do património da Igreja faz parte uma imagem de Nossa Senhora do Restelo, oferecida pelo Infante D. Henrique, onde oravam os navegadores antes de partirem.
Toda a Baixa de Lisboa tem bem perto do seu núcleo muitos outros templos católicos romanos. A Sé fica a Oriente - “O Oriente de onde vem tudo, o dia e a fé”, escreveu Pessoa - e olha para a Baixa de Lisboa do alto dos seus oito séculos.
A Norte, a Igreja de S. Domingos é uma memória de pedra das fogueiras da Inquisição, a Oeste é a profusão de templos do Chiado: Basílica dos Mártires, as duas igrejas barrocas frente a frente, a do Loreto e a de Nossa Senhora da Encarnação, a discreta Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, a Igreja do Santíssimo Sacramento, na calçada do mesmo nome.

Texto e fotos de Beco das Barrelas / Direitos reservados.

quinta-feira, novembro 29, 2012

Deambulando pelo miolo da Baixa


A antiga Sassetti, na esquina da R. Nova do Almada com a R. de S. Nicolau, é agora a CNM / Companhia Nacional de Música. Também vende discos mas não os põe a tocar cá para fora de acordo com o processo mais mediático em julgamento na Boa Hora. Até porque a Boa Hora fechou para obras. E na R. da Vitória já não há “candeeiros bem bonitos, modernos e originais”. Agora, nos números 46 e 48, o “cliente mais afoito” atrevesse-se ao pronto-a-comer de um café restaurante.
A conserveira de Lisboa
Na R. dos Douradores há uma “guest house” a cair em ruínas que promete “bom conforto”. E na R. dos Sapateiros, o Animatógrafo do Rossio já não tem programa afixado à porta. Do outro lado da rua, mesmo em frente, come-se a valer no restaurante A Licorista / O Bacalhoeiro. E ninguém se queixará de ser mal aviado sentando-se à mesa do João do Grão, na R. dos Correeiros. Na Rua Augusta, mesa posta para os turistas.
Revista de imprensa: bom dia e boas notícias!
Na R. da Conceição ainda passa o 28, nos dois sentidos. E a uma esquina da R. do Comércio há uma loja portuguesa verdadeiramente única: é a Loja Portugueza da Baixa, com o z de outros tempos. Portuguesas, ali na R. do Comércio, são as conservas de um armazenista com porta aberta desde 1930. Na R. da Alfândega há um salão de chá Luso-Japonês.
A R. da Assunção é mais vestidos de noiva. Mas não só. Na rua está também instalada a Embaixada Lomográfica de Lisboa, para os praticantes da Lomomania, uma proposta fotográfica que veio do frio.
Quiosques de jornais é o que não falta, para todo o tipo de leitores.
Quanto a igrejas católicas há cinco no miolo da Baixa de Lisboa. Mas isso fica para  próximo passeio, agora que não chove e está frio que dá mesmo vontade de andar a pé.

Texto e fotos de Beco das Barrelas / Direitos reservados.

terça-feira, novembro 27, 2012

O outro lado da Avenida da Liberdade


Dissemo-lo há dias e mostrámos algumas das razões: A Avenida da Liberdade foi considerada pela Excellence Mystery Shopping como uma das dez mais luxuosas avenidas do Mundo. Mostrámos as marcas que se vendem na Avenida, o topo de gama do luxo, como poderemos mostrar os hotéis, entre os quais o Tivoli que, por maior que seja a concorrência, mantém o charme que faz o seu imenso sucesso.
Acontece que a Avenida da Liberdade tem outra face, que não vem nas revistas de modas, nem nos guias turísticos, e que não tem cotação do Excellence Mystery Shopping.
 
Essa outra Lisboa e essa outra Avenida da Liberdade é uma cidade e uma das ruas dos sem-abrigo. Nos Censos 2011 diz-se que serão 696 em todo o País, num universo populacional acima dos dez milhões e meio de residentes. Mas como é que foi possível recensear a população dos sem-abrigo? O INE considera sem-abrigoa pessoa que, no momento censitário, se encontra a viver na rua ou noutro espaço público como jardins, estações de metro, paragens de autocarro, pontes e viadutos, arcadas de edifícios entre outros”. Mas o coordenador da Rede Europeia Anti-Pobreza considera que “a realidade é bem pior do que a que as estatísticas mostram.”
 
A triste realidade da existência de uma população sem-abrigo está para além dos números. O que conta é a miséria, o sofrimento e a solidão. É uma realidade que vem com o cair da noite nas cidades. Mas que deixa os seus sinais durante o dia. Na Avenida da Liberdade, em Lisboa, uma das dez mais luxuosas avenidas do Mundo, há pessoas sem-abrigo que têm lugar marcado para a noite sem-abrigo, precariamente acolhida em caixotes de cartão junto aos bancos de jardim.
Do outro lado da Avenida, alguém tem uma reserva no Tivoli.

Texto e fotos de Beco das Barrelas / Direitos reservados.

segunda-feira, novembro 26, 2012

Solidão, minha companhia


No meio da claridade
Daquele tão triste dia
Grande, grande era a cidade
E ninguém me conhecia
Pedro Homem de Mello,
Fria Claridade
Música de José Marques do Amaral, voz de Amália Rodrigues

No concelho de Lisboa há 85 mil idosos a viver sozinhos. Lisboa é mesmo uma das cidades mais envelhecidas do País: 36,6% dos agregados familiares são constituídos por pessoas com mais de 65 anos. Também há idosos lisboetas que vivem sozinhos, idosos abandonados em hospitais, esquecidos em lares de terceira idade ou, muito simplesmente, entregues à solidão nas suas próprias casas.
A solidão na velhice é uma questão difícil de encarar e muito difícil de resolver.
Em relação ao universo de 400 mil idosos que vivem sozinhos em Portugal, 85 mil no concelho de Lisboa, as estatísticas são ainda mais áridas. São números descarnados, sem corpo e também sem sentimentos. Ninguém sabe bem o que passa pelas cabeças de 85 mil velhos isolados, que pensam eles, que esperam e que querem eles ainda da vida - se é que querem, se é que esperam -, se sonham, se desesperam, se a cada passo estão à beira do derradeiro passo. Não comunicam, porque os outros deixaram de ter disponibilidade para comunicar com eles, fecham-se, porque os outros lhes fecharam todas as saídas, lhes cortaram todas as pontes.
São ilhas, são náufragos. “...Que minha solidão me sirva de companhia. // que eu tenha a coragem de me enfrentar. // que eu saiba ficar com o nada…”, escreveu Clarice Lispector.
Talvez tenham desistido de tudo, ou talvez esperem simplesmente encontrar uma improvável e derradeira amizade.

Velhos, ó meus queridos velhos,
Saltem-me para os joelhos: //
vamos brincar?
Alexandre O"Neill, Velhos de Lisboa

Texto e fotos de Beco das Barrelas / Direitos reservados.

Há um número de telefone em Lisboa para o qual qualquer munícipe pode reportar uma situação de emergência social, designadamente relativa a situações de idosos isolados: 800 204 204

sexta-feira, novembro 23, 2012

Entre a Senhora do Monte e S. Vicente de Fora

Largo da Graça

Olhem pra marcha da Graça,
Como vai feliz, contente!
Com o Monte a olhar pra ela
E a bênção de São Vicente
Marcha da Graça, Eduardo Damas e Manuel Paião,
voz de Amália Rodrigues

Vinte e quatro ruas, oito travessas, oito vilas, quatro pátios, três becos e três calçadas, dois largos, duas escadas e escadinhas, um miradouro: eis a freguesia e o bairro da Graça, datado do século XIX. Vai da capela e do miradouro de Nossa Senhora do Monte, desce pela Rua da Verónica até ao Panteão, com a Secundária (antigo Liceu) Gil Vicente pelo meio, pela rua da Voz do Operário até São Vicente, pela Damasceno Monteiro desce para os Anjos.
 
Capela da Senhora do Monte
 
Martim Moniz visto da Senhora do Monte
Na Graça, as pessoas conhecem-se. 
Afinal não chegam a seis mil. Os clientes tratam os lojistas pelo nome e vice-versa. “Bom dia senhor João. Bom dia Dona Natércia. O seu marido vai melhorzinho?”. Uns aos outros tratam-se por vizinhos. Partilham a realidade de uma vida remediada, nivelada por baixo..
O pequeno comércio tem tudo para oferta mas a procura também ali está em queda. Num minimercado uma senhora de idade levou para casa, como compras do dia, duas batatas médias e uma cenoura. “É tudo, Dona Aurora?” Perguntou a menina da caixa. “Veja lá primeiro quanto é a ver se ainda tenho que tirar alguma coisa”, respondeu Dona Aurora a remexer as moedas pequeninas na carteira.
Rua da Verónica,
com o Panteão ao fundo
Largo da Graça
Mas a Graça tem que ver, para além das novidades das montras do pequeno comércio. Tem a Senhora do Monte, com a capela e o miradouro, de onde se avista meia Lisboa, tem o Convento das Mónicas, tem as voltas do Caracol da Graça e, embora pertençam a freguesias vizinhas, São Vicente e o Panteão fazem com frequência parte da paisagem da freguesia.
De resto, o bairro é um conjunto de pouco mais de 40 arruamentos, com edificações irregulares que sobem e descem como que pelo capricho do desenho de uma criança.
 
Texto e fotos de Beco das Barrelas / Direitos reservados.
 

quinta-feira, novembro 22, 2012

Lisboa no Censos 2011


A população residente em Portugal, à data do momento censitário (21 de Março de 2011) era de 10 562 178 pessoas, das quais 5 046 600 são homens e 5 515 578 são mulheres, de acordo com os resultados definitivos dos Censos 2011.

A população
O crescimento de 2% da população (206 061 pessoas) verificado nos últimos dez anos deveu-se predominantemente a um saldo migratório positivo de 188 652, uma vez que o saldo natural (número de nascimentos menos o número de óbitos) contribuiu com apenas 17 409 pessoas para este crescimento.

Onde reside a população
A Região do Alentejo voltou a perder população (cerca de 2,5%, ou seja 19 283 pessoas) face a 2001, bem como a Região Centro. A Região Norte manteve praticamente a população que tinha na última década. Apresentaram saldo positivo a Região do Algarve (+14%), as RA dos Açores (+2%) e da Madeira (9%) e a Região de Lisboa (+6%). Mais de 80% da população residente concentrava-se em 3 regiões do país: Norte (34,9%), Lisboa (26,7%) e Centro (22,0%).

Desertificação no interior do país aumentou na última década; 50% da população residente concentra-se em 33 dos 308 municípios do país.

Dos 10 Municípios mais populosos do país, 6 localizam-se na Região de Lisboa e 4 na Região Norte
Em 2011, o grupo dos 10 municípios mais populosos alterou-se ligeiramente, em relação a 2001: Lisboa, Sintra, Vila Nova de Gaia e Porto mantiveram-se nas quatro primeiras posições.

Indicadores demográficos
Percentagem de jovens recuou para 15% e de idosos cresceu para 19%.
A estrutura etária da população acentuou os desequilíbrios já evidenciados na década passada.
Idade média da população aumentou 3 anos numa década: é agora de 41,8 anos. A idade média da população residente aumentou, na última década, cerca de 3 anos, tendo-se fixado nos 41,8 anos. A idade média das mulheres (43,2 anos) é superior à dos homens, (40,3 anos).

Índice de envelhecimento
Em 2011, o índice de envelhecimento da população era de 128, o que significa que por cada 100 jovens existiam 128 idosos.

Índice de longevidade
O índice de longevidade, que relaciona a população com 75 ou mais anos com o total da população idosa com 65 ou mais anos era, em 2011, de 48, face a 41 em 2001 e 39 em 1991. Em termos regionais, Lisboa apresentou o índice mais baixo (46 anos).

População de nacionalidade estrangeira
À data da realização dos Censos 2011, residiam em Portugal 394 496 pessoas de nacionalidade estrangeira, o que representava cerca de 3,7% do total da população.
A maior comunidade estrangeira residente em Portugal era a brasileira, com 109 787 pessoas (cerca de 28%), seguindo-se a cabo-verdiana, com 38 895 (10%). A comunidade ucraniana era a terceira mais representada em Portugal, com 9%, surgindo a angolana em 4º lugar.

População estrangeira mais jovem do que a portuguesa
A população estrangeira era, em 2011, bastante mais jovem do que a portuguesa, com uma idade média de 34,2 anos, face a 42,1 da portuguesa.
A Região de Lisboa concentrava mais de metade dos estrangeiros a viver em Portugal.

Estado civil e conjugalidade
Embora em 2011 as uniões conjugais continuassem a ser maioritariamente formalizadas através do casamento (87%), as uniões de facto já representavam cerca de 13% do total face a 7% em 2001.
Em Lisboa as uniões de facto representam cerca de 20% das uniões conjugais.

Nível de escolaridade
Na última década, o país registou progressos muito significativos em todos os níveis de ensino.
O número de diplomados quase duplicado e atingido 1 244 742, 60% dos quais mulheres; A população com 15 ou mais anos com pelo menos o 9º ano aumenta para 50%, sendo 38% em 2001; A taxa de analfabetismo recuou de 9% em 2001 para 5,2% em 2011.
Na Região de Lisboa residiam 21% das/os diplomadas/os do país.



quarta-feira, novembro 21, 2012

Os Restauradores


Situada entre o Rossio e o extremo Sul da Avenida da Liberdade, a Praça dos Restauradores tem ao centro um obelisco de 30 metros que celebra a Restauração da Independência de Portugal do domínio dos Filipes em 1 de Dezembro de 1640 - efeméride que agora passou à história no calendário dos feriados nacionais. O monumento foi inaugurado em 28 de Abril de 1886 e o seu custo, 45 contos de reis, foi obtido por subscrição pública em Portugal e no Brasil. Na atualidade, a placa central da Praça tem calçada portuguesa desenhada por João Abel Manta.
A Praça, que abriu caminho à expansão de Lisboa para Norte, é um ponto de passagem. Mas isso não retira importância à monumentalidade de algumas das edificações que a demarcam. Em primeiro lugar, o Palácio Foz, começado a construir em 1755. Antes de ser uma repartição pública, o Palácio exibia uma decoração interior magnífica e mobiliário de grande esplendor. Ali funcionou nos tempos mais recuados do século passado o Maxim’s, dancing muito frequentado e animado. Vizinho do Palácio foi o Éden-Teatro, integrando os salões Central e Foz. Do outro lado da Praça existiu o cinema Condes, hoje transformado num Hard-Rock Café.
 
Hoje, a Praça é uma Babel de gente apressada e de mirones.
Os primeiros vão para a estação do Rossio, para o Metro ou para a Loja do Cidadão; os segundos andam por ali a ver se cai alguma coisa do céu. Também há turistas.
E esplanadas para os turistas.
E no extremo Sul da Praça ergue-se majestoso o Avenida Palace, com mais passado que presente.
 


Belarmino, fotografia de Augusto Cabrita,
para o filme de Fernando Lopes
Em tempos, à porta do Éden, parava habitualmente Belarmino Fragoso, na sua fase de engraxador de sapatos. Disse dele Baptista-Bastos, no guião do filme Belarmino, de Fernando Lopes: “Se Belarmino tivesse vivido noutro país, talvez fosse um grande campeão”.
E acrescentou Alexandre O'Neill: "Belarmino // quando ao tapete nos levar // a mofina, // tu ficarás sem murro, // eu ficarei sem rima, // pugilista e poeta, campeões com jeito // e amadores da má vida".

Texto e fotos de Beco das Barrelas / Direitos reservados.

segunda-feira, novembro 19, 2012

Ei-los que partem...


Já foram donos do mar
Vão para terras de França.
Manuel Alegre
 
Mais de 600 mil pessoas deixaram o País desde o início da crise, em 2008.  A Secretaria de Estado das Comunidades estima que tenham abandonado o País no ano passado 100 mil a 120 mil portugueses. E nos primeiros nove meses deste ano emigraram perto de 30 mil. A emigração em Portugal em 2011 aproximou-se da registada nos anos 60 e 70 do século passado.
Além dos destinos tradicionais como França, destacam-se agora outros países como Angola, Brasil e Inglaterra. A par da construção civil, que continua a ser um dos sectores de maior trabalho para os emigrantes, o país tem assistido a uma nova vaga de emigração entre os jovens licenciados. Mas a notícia mais dolorosa vem num relatório da Comissão Europeia e revela que há crianças portuguesas a emigrar para trabalhar na União Europeia.
O coordenador do Observatório da Emigração observou recentemente que “pela primeira vez, a necessidade de emigração chegou a grupos sociais com maior qualidade de vida, mais acesso a informação, maior influência e, por isso, passou a ser um problema público”.
Esta é a dura realidade do Portugal atual: um país bom para fugir daqui para fora. As estatísticas demográficas olham contra os governos: Portugal está mais pobre, mais velho, mais despovoado e desertificado, mais estagnado, mais desempregado, mais precário, menos fecundo.
Comentou, e bem, o ex-secretário-geral da CGTP, Manuel Carvalho da Silva, que «alguma coisa tem de estar muito mal neste Pais» para que tantos portugueses emigrem.
Em Lisboa, na estação de Santa Apolónia, a estátua da autoria de Dorita Castel-Branco em homenagem Ao Emigrante Português, inaugurada em 1981, deixa de ser uma alusão ao passado. A emigração voltou à ordem dos dias em Portugal. Ei-los que partem
 

Virão um dia, ou não...

"Muitos emigrantes portugueses estão a “desistir do país” e a pedir a naturalização nos países de destino. Em 2010, quase cinco mil portugueses pediram nacionalidade francesa. Na Suíça, foram 2200 os portugueses a tornaram-se naturais daquele país. No mesmo ano, no Luxemburgo houve 1345 emigrantes portugueses que adquiriram dupla nacionalidade."
do jornal Público.
Texto e fotos de Beco das Barrelas / Direitos reservados.
 

quinta-feira, novembro 15, 2012

Bacalhau continua a reinar na R. do Arsenal


Já foi o “fiel amigo”, também foi o "bacalhau a pataco", prometido em eleições, o peixe seco das 100 maneiras de o cozinhar, que hoje serão talvez mil, o peixe que comido fresco é uma raridade. Come-se cozido com todos, assado com batata a murro, guisado de caldeirada com muito tomate e pimento, come-se frito, come-se cru bem temperado. Também se come disfarçado com natas ou em pataniscas. E não haverá nada que vá à mesa e de que os portugueses mais falta sintam que do bacalhau.
Já foi um produto pescado por portugueses, em longas e penosas campanhas de seis meses nos mares da Terra Nova. Agora vem da Noruega e compra-se congelado mas, para quem queira, também o há salgado e com vários tipos e qualidades de cura.
Antigamente, o bacalhau para o lisboeta era um produto típico da Rua do Arsenal. Hoje restam duas casas na rua mas há outras na Praça da Figueira e o bacalhau não falta nos supermercados. Mas o Rei do Bacalhau continua a imperar na Rua do Arsenal, com grande variedade de espécies e de dimensões. Só o bacalhau de cura amarela ainda está para chegar à casa de Santos Ramalho Ldª.
De resto, é só escolher: dos expositores para o alguidar a demolhar, dali para o fogão e a seguir para a mesa. E bom proveito.
 
Texto de fotos Beco das Barrelas / Direitos reservados

terça-feira, novembro 13, 2012

A primeira greve em Portugal foi em Lisboa em 1849

Nos números 13 e 14 do Conde Barão funcionou a empresa
que resultou da fusão, em 1929, das fábricas Collares e Vulcano.
A primeira greve em Portugal aconteceu em Setembro de 1849, em Lisboa, envolvendo quatro fábricas de fundição e serralharia industrial situadas Nas imediações da Rua da Boavista e do Largo do Conde Barão. Ter-se-ão verificado anteriores conflitos laborais mas a primeira greve, que tecnicamente merece esse nome, foi a de 1849.
Os operários das fábricas José Pedro Collares e Filhos, Phenix, Vulcano e João Bachelay, todas elas situadas na zona industrial localizada entre o Tejo, a Rua da Boavista e o Largo do Conde Barão, fizeram greve em luta contra…
o serão.
Naqueles tempos, o horário de trabalho compreendia um serão no Outono e Inverno, quando os dias eram mais curtos. Os operários exigiam trabalhar apenas de sol a sol, todo ano, sem diminuição de salário pelo facto de não trabalharem ao serão.
O analista social José Barreto * conta que, “na tarde do dia 10 de Setembro, uma segunda-feira, várias dezenas de ferreiros, serralheiros e torneiros da fábrica Vulcano abandonaram o trabalho à hora do começo do serão, recusando-se a trabalhar até às 8 da noite. Foram para a rua e percorreram o caminho até à fábrica Phenix gritando que não faziam serão e chamando os seus colegas que ainda se encontravam a trabalhar.” Os operários das duas fábricas juntaram-se a caminho das outras duas. Mas, os patrões destas - Collares e Filhos e Bachelay - tinham entretanto chamado a Polícia para dispersar os manifestantes. Naquele dia as coisas ficaram por ali. Mas no dia 11 de Setembro, ao tocarem as Trindades, as fábricas ficaram desertas, sem ninguém para fazer serão.
No local há vestígios de arqueologia industrial.
A primeira notícia sobre o casdo saiu no jornal Revolução de Setembro no dia 12. O jornal explicava que os operários se recusavam a fazer serão e pretendiam o pagamento por inteiro como se trabalhassem as horas que trabalhavam de Verão. Por sinal, os tipógrafos que compunham este jornal vieram a protagonizar a segunda greve registada em Portugal.
A greve prosseguiu e o trabalho só foi retomado quando os patrões das quatro fábricas se comprometeram a satisfazer as reivindicações dos grevistas, o que aconteceu a 20 de Setembro. O Patriota transcrevia nas suas páginas o regulamento interno das fábricas que, no dizer do jornal, era, “com pouca diferença, o que os próprios operários pediam”. Mas em 1872, os metalúrgicos lisboetas voltaram a lutar contra os serões que, entretanto, tinham sido restabelecidos.
* José Barreto, in Análise Social, vol. XVII (67-68), 1981-3.°-4.°, 479-503. Ler aqui

Texto e fotos Beco das Barrelas / Direitos reservados

Janelas: os olhos da cara da cidade



Av. da Liberdade, prédio onde nasceu
o pintor Carlos Botelho
Tenho quarenta janelas, // nas paredes do meu quarto, // sem vidros nem bambinelas, // posso ver através delas, // o mundo em que me reparto (…) Oh janelas do meu quarto,// quem vos pudesse rasgar, // com tanta janela aberta, //  falta-me a luz e o ar.//
António Gedeão
 
Alfama
Na janela mais alta de Lisboa, // és a ave chamada Todavia: // a que posta no céu não se desvia, // mas que perto do rio já não voa...
David Mourão-Ferreira

 



Cemitério dos Prazeres
Janelas do meu quarto, // Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é // (E se soubessem quem é, o que saberiam?), // Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente, // Para uma rua inacessível a todos os pensamentos, // Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa, // Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres, // Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens, // Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Álvaro de Campos

 
Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores:
há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada,
e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver
se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê
quando se abre a janela.
    Alberto Caeiro

Texto e fotos Beco das Barrelas /Direitos reservados

segunda-feira, novembro 12, 2012

Todos os santos e mais um


Trinta das atuais 53 freguesias de Lisboa têm nomes de santos. Na toponímia da cidade, 217 avenidas, ruas, calçadas, travessas, praças e largos, escadinhas, becos, pátios e azinhagas têm nomes de santos, do Santíssimo, de freis, padres e madres e dos mais simples dos Fiéis-de-Deus. Mas nenhum santo tem o culto diário, a devoção quotidiana, discreta mas reconhecida, como aquela que se manifesta diariamente junto ao monumento ao Dr. Sousa Martins, no Campo dos Mártires da Pátria. Em vida foi um santo homem, um médico bondoso, dedicado ao tratamento dos pobres, um clínico dotado de uma capacidade rara, naquele tempo, para apontar o diagnóstico certo e encontrar o tratamento mais adequado.
Nascido em Alhandra em 7 de Março de 1843, José Thomaz de Sousa Martins veio para Lisboa no fim da instrução primária, recolhido por um tio materno após a morte do pai, fez o curso liceal e, mais tarde, frequentou os cursos de medicina e de farmácia. O tio era proprietário da Farmácia Ultramarina, na Rua de São Paulo, o que teve influência nas escolhas do jovem. Sousa Martins licenciou-se em Farmácia com 21 anos e em Medicina com 23. Aos 33 anos foi convidado para reger a cátedra de Patologia na Escola Médica.
Sousa Martins tornou-se rapidamente reconhecido com médico dos pobres e dos mais desprotegidos perante a terrível doença da época que era a tuberculose. E foi do contágio pelos seus doentes que veio a sofrer da mesma doença que eles. Como médico, padecendo de uma doença que ao tempo dificilmente tinha cura, Sousa Martins morreu em 18 de Agosto de 1897, depois de se ter injetado com uma dose letal de morfina.
Sete anos após a sua morte, foi erguida no Campo dos Mártires da Pátria, em frente da Escola Médica, a estátua do médico Sousa Martins, a 7 de Abril de 1904. Outros monumentos evocativos de Sousa Martins foram levantados em Alhandra e na Guarda, onde em 1918 foi construído o Sanatório com o nome do clínico.
O culto de Sousa Martins nascera em vida do médico mas, após a morte, assumiu outra dimensão e sentido. José Thomaz de Sousa Martins era, para além de médico e farmacêutico, espírita, o que poderá estimular as iniciativas no sentido de o procurar contactar além-túmulo, mais de um século após a sua morte, e obter do infinito a cura de males que afligem os doentes e suas famílias.
A devoção em torno do Dr. Sousa Martins enche o espaço em redor do seu monumento em Lisboa de ex-votos, placas de mármore com agradecimentos por graças recebidas, velas acesas, flores. O médico é venerado como um santo. Mas a Igreja Católica abjura o culto em torno do Sousa Martins, praticante do espiritismo e suicida.

Guerra Junqueiro disse a respeito do Dr. Sousa Martins:
 Eminente homem que radiou amor, encanto, esperança, alegria e generosidade,
Foi amigo, carinhoso e dedicado dos pobres e dos poetas,
A sua mão guiou. O seu coração perdoou, A sua boca ensinou.
Honrou a medicina portuguesa e todos os que nele procuraram cura para os seus males.”

Texto e fotos Beco das Barrelas / Direitos reservados.