quinta-feira, agosto 30, 2012

Prazeres até à eternidade


Não é o Pére Lachaise, de Paris, nem La Recoleta, de Buenos Aires, não é o Hollywood Forever, de Santa Mónica, nem os cemitérios góticos de Barcelona, revisitados nas obras de Carlos Ruiz Záfon. Mas o Cemitério dos Prazeres, em Lisboa, regista de ano para ano um número crescente de visitantes que seguem o turismo cemiterial. Longe de procurarem uma variante sombria ou mórbida do turismo, os visitantes da cidade dos mortos buscam vestígios de uma monumentalidade funerária que é exemplo da arte romântica dos séculos XIX e XX. Anjos de pedra velam o sono eterno dos mortos. 
Os visitantes também procuram a história, pois ali jazem muitos dos que fizeram a história mais recente de Portugal. Logo à direita de quem entra no Cemitério dos Prazeres jaz o capitão Henrique Galvão, acompanhado na morte por um epitáfio que resume uma vida: “Quando a ditadura é um facto, a revolução é um direito”.

Jazem nos Prazeres estadistas como Fontes Pereira de Melo, empresários como António Augusto de Aguiar, poetas como Cesário Verde ou António Gedeão, prosadores como José Cardoso Pires ou Carlos de Oliveira, atores e músicos como João Vilaret, Vasco Santana, Mário Viegas, Carlos Paredes.
 
Quanto ao nome de Prazeres vem-lhe da designação da quinta onde se ergueu, em 1833, a cidade dos mortos da zona ocidental da cidade de Lisboa.
Texto de João Francisco. Fotos de Francisco João (direitos reservados).

sábado, agosto 25, 2012

Quando Lisboa chorou pelo Chiado


Naquela manhã de 25 de Agosto de 1988 não foi o fumo que nos encheu os olhos de lágrimas. Foi a dor de ver o coração de Lisboa a arder. Já lá vão 24 anos, parece que foi ontem.
"Tudo se passa depressa. Lisboa está a arder. O Francês segue o avanço do incêndio desde esta manhã. Estava a dormir na sua pensão, à Rua do Ouro. Um fragor lá fora, puxou as cortinas. Estando a meio do Verão, já devia ser dia, em vez deste nevoeiro cinza, quase azul, do dia 25 de Agosto de 1988. Através da cinza azulada, do outro lado da rua, atrás dos Grandes Armazéns Grandella, vislumbra outras cores: vermelho e amarelo. As cores sobem pelos andares acima a toda a velocidade, um velho armazém, cheio de madeirame e reservas de tecido, é coisa rápida". Assim começa L'Incendie du Chiado, do francês François Vallejo, romance de um dia de dor e de lágrimas em Lisboa, já traduzido e editado em Portugal.
Mas o Chiado e Lisboa recuperaram. Mais: o Chiado é hoje mais importante na vida da cidade do que era há 24 anos. O Chiado renasceu das cinzas. A reconstrução deu-lhe vida nova.

Texto de João Francisco. Foto de Francisco João (direitos reservados)

Sobre o manto diáfano da fantasia...excrementos de pombos


A estátua de Eça de Queiroz, no largo Barão de Quintela, está bem ao centro do cenário da ficção do escritor. No largo passa a Rua das Flores, onde Eça situou a Tragédia do “incesto involuntário” de Joaquina da Ega - amante do seu próprio filho. Em Os Maias são frequentes as referências ao Grémio Literário, situado na Rua Ivens, transversal da rua Garrett. Mais abaixo, no Corpo Santo, hospeda-se o primo Basílio no luxuoso Hotel Central. Houve mesmo quem confundisse a residencial Bragança, ao fundo da Rua do Alecrim, com o Hotel Braganza, na Vítor Cordon, antiga rua do Ferragial, onde Carlos da Maia se reuniu com amigos, no regresso de uma viagem pela Europa, para matar saudades de um “jantarinho à portuguesa" com "cozido, arroz de forno, grão-de-bico”. E foi ali que o escritor se reuniu diversas vezes ao jantar com os demais Vencidos da Vida.
Eça está em boa companhia, próximo da estátua de Camões e do berço de Pessoa, vizinho do poeta Chiado e de Garrett.  O autor de Viagens na Minha Terra vivia na rua do Alecrim, à esquina com o largo do Quintela, quando ouviu o relógio batendo em São Paulo a hora certa para a largada, rio acima, a caminho do Vale de Santarém.
A estátua representa Eça de Queiroz cobrindo a “nudez forte da verdade” com “o manto diáfano da fantasia”. Mas hoje, na verdade, o que cobre a escultura de Teixeira Lopes é o azotato de ácido nítrico de pombo.

Texto de João Francisco. Fotos de Francisco João (direitos reservados).

Todos os caminhos vão dar ao Tejo

José Cardoso Pires designou Lisboa por “cidade pousada sobre o Tejo”. É talvez por esse motivo que o Tejo está tão presente na paisagem de Lisboa e na vida dos lisboetas. O viajante por Lisboa depara com o Tejo ao dobrar das mais inesperadas esquinas, ou olhando pelas mais improváveis janelas. São inseparáveis. E mesmo no sopé de cada colina há por vezes uma linha de água no horizonte, uma nesga de Tejo a dizer presente! O esplendoroso estuário do Tejo - esse mar largo de Lisboa - não faz apenas parte da paisagem. É um complemento indispensável da história da cidade - fundador da cidade de Ulisses e de outros navegantes. Como é também um parceiro da vida social, económica e cultural da cidade.
“Ao virar da esquina de súbito avistamos
Irisado o Tejo:
Então se tornam
Leve o nosso corpo e a alma alada.”
Sophia de Mello Breyner
Fotos de Francsico João (direitos reservados).
Texto de João Francisco.

A tradição já não é o que era

Passava o ano de 1934 quando José Galhardo e Raul Ferrão compuseram o fado Tendinha, para ser cantado por Hermínia Silva na revista Zé dos Pacatos, a subir à cena no Teatro Apolo. A letra do fado cometia à “velha taberna”, a “velha tasca humilde e terna” que inspirava o fado, a missão de “manter a tradição”, “nesta Lisboa moderna”. Fundada em 1840, a Tendinha ainda existe. Mas a tradição é que já não é o que era.
Em primeiro lugar, a Tendinha já não serve simplesmente vinhos, licores, ginginha e águas. E depois não há clientes a cavalo à porta da "velha taberna", nem a Tendinha dispõe de serviço de esplanada. Quanto à ementa, agora é mais sandes - torresmos, salsicha e ovo, queijo fresco, presunto, panado, filete de pescada, tira de bacalhau ou bifana -, fritos - pastéis de bacalhau, croquetes, rissóis, chamuças -, mas também o velho ovo cozido. E para adoçar a boca, pastéis de Belém, arroz-doce e cubos de marmelada.
Para beber, cervejas, vinho a copo, o tradicional e inevitável licor de ginja, com ou sem “elas”, as ginjas. Também se bebe o Eduardino, mistura de ginja com anis, em direto para o fígado. A Tendinha mantém o seu lugar no circuito lisboeta da ginginha, zona demarcada entre o Largo de São Domingos, a Rua Barros Queirós, o Rossio e o Bairro Alto. Têm clientes certos, que bebem de pé e à conversa. Na Avenida da Liberdade, do lado do antigo Café Paladium, O Pirata serve um derivado da ginja, com vinho e água gaseificada. Quanto à velha Tendinha, ganhou direito a música.
Fotos Francisco João (direitos reservados). Texto João Francisco.

quarta-feira, agosto 15, 2012

A quadrícula do Marquês

A conceção da baixa de Lisboa, traçada sob os auspícios do Marquês de Pombal, dá ainda hoje ao centro da cidade a ordenação precisa da geometria. É uma quadrícula que organizou a vida e a circulação económica da Lisboa do século XVIII renascida do Terramoto de 1755. E lá estão as longas longitudinais, ligando o Rossio e a Praça da Figueira à Praça do Comércio – Rua Augusta, Rua do Outro e Rua da Prata – mais as ruas paralelas dos Sapateiros, Correeiros, Douradores e Fanqueiros e a irmã mais pequena rua do Crucifixo. As transversais completam a quadrícula com as ruas de Santa Justa, Assunção, Vitória, S. Nicolau, da Conceição, S. Julião e do Comércio.
 Nem sempre se designaram assim. A do Comércio foi a rua de El Rei, a dos Fanqueiros foi a rua da Princesa, a da Prata foi a Bela da Rainha. E a rua do Correeiros foi a travessa da Palha que ficou na letra de um fado do reportório da grande Lucília do Carmo.
Qualquer que fosse a toponímia, a quadrícula organizou a regeneração da vida económica de Lisboa. E no final do século XIX, ao fim da tarde, na Lisboa de Cesário Verde, "às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas".
Fotos de Francisco João (direitos reservados). Texto de João Francisco.

terça-feira, agosto 14, 2012

A banhos no Terreiro que foi do Paço

O Terreiro que foi do Paço da Ribeira, quando no século XVI para ali se mudou D. Manuel I e depois lá se fixou D. João III, foi chamado de Praça do Comércio pelo Marquês de Pombal, que ali ergueu o ponto de partida da reconstrução de Lisboa, após o Terramoto de 1755. Foi residência de reis e foi o Cais das Colunas, pelo qual desembarcaram em Lisboa o Gungunhana e Isabel II.
Também conhecida, na Europa, por Praça do Cavalo Negro, tem ao centro a belíssima estátua equestre de D. José, da autoria de Machado de Castro: 14 metros de altura (estátua e pedestal), 30 mil quilos de bronze (cavaleiro e cavalo), sobre um pedestal de pedra lioz.




Pois o cais da Praça do Comércio, ou do Terreiro do Paço, de onde D. José olha o Tejo, não é de
agora, por causa do calor ou da crise, que serve de episódica praia de banhos, como pode ver-se na foto tirada do rio. Dizem as crónicas que em tempos se organizavam no local banhos semanais, nos quais lisboetas mais ousados se banhavam nus e nuas, para escândalo dos mais discretos.
Enfim, os tempos mudam.
Fotos de Francisco João (direitos reservados). Texto de João Francisco.

segunda-feira, agosto 13, 2012

São Vicente de Fora, cá dentro

As torres da fachada da igreja de São Vicente de Fora – de Fora por se situarem no exterior das muralhas godas - avistam-se de meia Lisboa. O templo é do século XII, reconstruído nos séculos XVI, XVII e XVIII. Mas para quem o vê de longe, o templo nem sempre parece o que é: uma monumental frontaria, encimada por duas torres, a que se segue o corpo do mosteiro. Segundo muitos ângulos de visão, São Vicente e Santa Engrácia serão uma e a mesma construção. Ilusão de ótica, erro de perspetiva.
A primeira pedra da Igreja de São Vicente foi lançada no mês seguinte ao da conquista da cidade, cumprindo uma promessa de D. Afonso Henriques. A Igreja de Santa Engrácia - Panteão Nacional desde 1966 - começou a ser erguida em 1682, ficando concluída em 1963. Quase três séculos demoraram as “obras de Santa Engrácia”. Separados por duas ruas, o que os dois templos têm em comum é fazerem parte do cenário de uma Lisboa magnífica.
Nas fotos, a Igreja de São Vicente vista do Castelo e das Portas do Sol.

Fotos de Francisco João (direitos reservados). Texto de João Francisco.

domingo, agosto 12, 2012

Metro do Aeroporto no Campo Grande

As 55 caricaturas de personalidades de Lisboa que o cartoonista António produziu para a estação do Aeroporto do Metro de Lisboa podem agora ser vistas na Galeria de Exposições Temporárias do Museu Bordalo Pinheiro. Mais que uma viagem de Metro, a exposição das caricaturas de António permite uma visita a um século de vida cultural, social e política da cidade de Lisboa, através de uma seleção de figuras marcantes da vida portuguesa. O olhar, o traço e a capacidade de observação de António constroem uma galeria de notáveis figuras lisboetas, em exposição até final de Outubro no Museu Bordalo Pinheiro, no Campo Grande.
O próprio Bordalo Pinheiro, com a sua criação do Zé Povinho, o ator Raul Solnado e o futebolista Eusébio são três das figuras caricaturadas por António (nas fotos).
Consulte o horário da exposição na agenda cultural da Câmara de Lisboa.
Também há sugestões de música e cinema ao ar livre e de uma exposição sobre a Física no Dia-a-Dia no Pavilhão do Conhecimento.
Texto de João Francisco. Fotos de Francisco João (direitos reservados).

sábado, agosto 11, 2012

O Mostrengo

Quem vê navios do alto de Santa Catarina fica de costas para o Mostrengo. Conta-se que foi do alto de Santa Catarina que o general francês Junot presenciou a partida da frota levando a família real portuguesa em fuga para o Brasil, em Novembro de 1808. Mas já muito antes, os armadores portugueses aguardariam em Santa Catarina as caravelas de regresso das Índias. Também se conta que do alto da colina de Santa Catarina os sebastianistas esperariam a volta do Desejado. E a toda esta mitologia Lisboa acrescentou, em 1927, a estátua do Adamastor, o Tormentório ao qual a épica de Os Lusíadas atribuía “naufrágios e perdições de toda a sorte”. O Mostrengo, como lhe chamou Fernando Pessoa, poeta da Mensagem. O Monstro, como o designava Bocage. À escala, o marinheiro das Navegações portuguesas empoleirado na estátua é de menor dimensão que uma mão do Mostrengo.
Adamastor, Monstro ou Mostrengo é desde há perto de um século uma estátua de pedra da autoria do escultor Júlio Vaz Júnior e já não mete medo a ninguém. Tanto assim que quem vê navios, do alto de Santa Catarina, vira desdenhosamente as costas ao gigante “imundo e grosso”, na descrição de Pessoa, de “boca negra” e “dentes amarelos”, segundo retrato de Camões.
É assim o destino dos Mostrengos.

A tempo: Adamastor foi o nome de um navio de guerra que operou na implantação da República, em 1910; é o nome de um planeta da Star Wars; é nome de um rapper português e título de um blogue.
Texto de João Francisco. Fotos de Francisco João (direitos reservados).

sexta-feira, agosto 10, 2012

Blimunda encontrou Gabriela… em Lisboa

Blimunda? Blimunda Sete-Luas? Conheci. Se querem saber, conheci-a no romance de José Saramago e mais tarde no ateliê do pintor e escultor Rogério Ribeiro, na Rua Artilharia Um, quando lá fui certa vez acompanhando o António Borges Coelho, que ia ver a paginação das Crónicas de Fernão Lopes.  Pois comecei por ficar deslumbrado com os 25 painéis da pintura de Rogério Ribeiro para as Crónicas, com texto revisto e fixado pelo grande António Borges Coelho, e depois tive a oportunidade de conhecer outras obras e estudos do pintor.
Até que, em determinado momento, Rogério Ribeiro nos apresentou:

- E esta aqui é a Blimunda. Blimunda Sete-Luas.

Eu conhecia a alma de Blimunda, personagem magistral de José Saramago que recordava desde a primeira edição do Memorial do Convento (1982), um romance absolutamente ímpar na literatura mundial. Mas não estava a ligar o nome à pessoa até ver a pintura de Rogério Ribeiro, naquele tarde de Outono, em que o António Borges Coelho, depois de um almoço na tertúlia dos Empatados, me levou ao ateliê do pintor. Sim, era exatamente ela, tal como Saramago a criara no papel - concebida sabe-se lá desde quando, talvez ainda na vila da Azinhaga, e nascida na casa vazia onde Sebastiana Maria de Jesus a parira -, e a quem o Rogério Ribeiro dera por fim uma imagem, feições, um olhar. O caso deu para a conversa enquanto acompanhei o António Borges Coelho ao Cais de Sodré, onde apanhou o comboio para a Parede. E quanto à Blimunda nunca mais a vi.
Luz e sombra, Sete-Sóis, Sete-Luas





Até que um dia destes, numa das deambulações por Lisboa à procura da cidade que todos os dias olho mas nem todos dos dias vejo - como diria o Bastos - os olhos me ficaram presos num painel de azulejos de uma fachada que ali estava perante mim como uma aparição.

- Blimunda! Blimunda Sete-Luas! Há quanto tempo!

Respondeu-me com um leve cumprimento de cabeça e um breve movimento de olhar, pareceu-me. O mais provável é que não queira confirmar a identidade para evitar as excursões de mirones e paparazzi a perturbarem-lhe o sossego.
Percebi a mensagem e fiz-lhe a vontade. Fica a imagem da verdadeira Blimunda, a única autenticada pela identificação entre dois autores, José Saramago e Rogério Ribeiro, mas não revelo o paradeiro como não revelei previamente a agenda do encontro de Blimunda com Gabriela. Digo apenas que foi em Lisboa.



A cena não se passou na corte de D. João V. A ação não se desenvolveu em Mafra, durante a construção do Convento, nem tão pouco num auto de fé no Rossio. O encontro deu-se em Lisboa, no dia 10 de Agosto de 2012, quando se cumpriram 100 anos sobre o nascimento do escritor brasileiro Jorge Amado, celebrado em Lisboa na Fundação Casa de José Saramago.
E foi nessa festa de aniversário, no terreiro em frente à Casa dos Bicos, em Lisboa, que duas grandes personagens femininas das literaturas de Portugal e do Brasil tiveram oportunidade de se conhecer: Blimunda de Jesus, a Sete Luas, e Gabriela, simplesmente Cravo e Canela.
Esteve lá “toda a gente”, como costuma dizer-se: o Padre Bartolomeu de Gusmão, com os planos da Passarola, Baltasar Mateus, por alcunha Sete-Sóis, mas também o Dr. Mundinho e o sírio Nacib, e ainda Tonico Bastos, tão à vontade como se estivesse no bar Vesúvio ou no Bataclã.
Foi a 10 de Agosto de 2012, na Fundação José Saramago, Casa dos Bicos, Lisboa.
 Jorge Amado, lá onde está, aproveitou para fazer 100 anos. E toda o mundo comemorou.

Texto de João Francisco. Fotografia de Francisco João (direitos reservados).

quinta-feira, agosto 09, 2012

Cidade pombalina

Os pombos levaram muito a sério e à letra a designação de Lisboa como cidade pombalina. No início do século XXI estavam recenseados em Lisboa dois habitantes por cada pombo. Mas isso foi antes da população dos pombos se ter reproduzido de forma descontrolada. E hoje, as simbólicas aves constituem uma praga que propaga doenças e parasitas, degradam o património monumental e por vezes – suprema humilhação – defecam acidez na cabeça ou nos ombros de indefesos lisboetas.
Mas os pombos dividem. Também há quem os considere ternos, arrulhando quase permanentemente de amor. E quem jamais esqueça que um pintor famoso registou a pomba – branca e feminina -, para sempre, como símbolo universal da paz.
E enquanto em Lisboa se confrontam ideias sobre o presente e o futuro das columbiformes, os próprios pombos, como se não fosse nada com eles, soltam arrulhos.

Texto de João Francisco. Foto de Francisco João (direitos reservados).

quarta-feira, agosto 08, 2012

Grafitos, cultura de rua

Na cidade de São Paulo, Brasil, um conjunto de 66 painéis de grafitos constitui o primeiro Museu Aberto de Arte Urbana do Mundo. Na grande metrópole brasileira, a arte gráfica urbana é reconhecida como expressão artística e como forma de manifestação gráfica de uma cultura de rua, complementar de uma moda, uma expressão musical e poética – o rap, rhyme and poetry  - e uma modalidade de dança. Forma antiquíssima de expressão, o grafito será desde a década de 60 do século passado e do Maio de 68 uma expressão artística de uma contracultura, isto é, uma atitude cultural perante a cultura.
Serve esta despretensiosa apresentação para dizer que nas ruas de Lisboa há grafitos de qualidade, que ilustram a cidade e que são mais alguma coisa que meros rabiscos ou pichagens para marcar território. De várias cores, para que “à força de diferente”, isto não seja monótono (Álvaro de Campos).
Os exemplos que ilustram este texto breve, em estilos bem diversos, foram registados nas escadinhas de São Cristóvão (o fado vadio), que descem do Castelo para a Mouraria, e numa parede do bairro de Alfama.

Texto de João Francisco. Fotos de Francisco João (direitos reservados).

terça-feira, agosto 07, 2012

Poetas de Lisboa

"É bom lembrar mais vozes pois Lisboa
Cidade com poético fadário
Cabe toda num verso do Cesário
E alguma em ironias do Pessoa…”

E bem podemos acrescentar, aos poetas do poema de Vasco Graça Moura, a Lisboa de Alberto de Oliveira: “São mil os panoramas da Cidade, Surge um novo mirante em cada monte…”

A Lisboa, de Gomes Leal: “A Cidade é formosa e esbelta de manhã!
- É mais alegre então, mais límpida, mais sã…”

A Lisboa de Álvaro de Campos: “Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras,
Acordar da Rua do Ouro, Acordar do Rossio, às portas dos cafés, Acordar…”

Acordar na Lisboa sob névoa, de Fiama Hasse Pais Brandão: “Na névoa, a cidade, ébria oscila, tomba…”

Ou na Lisboa de Matilde Rosa Araújo: “Nesta cidade que da mansidão faz escadas
Sono corredio nos telhados…”


Ou simplesmente retomar os poetas do poema de Vasco Graça Moura:
“Para cada gaivota há um do O’Neill
Para cada paixão um do David
E há Pedro Homem de Mello que divide
Entre Alfama e Cabanas seu perfil.
E há também o Ary e muitos mais
Entre eles o Camões e o Tolentino
Ou tomando por fado o seu destino
Ou dando do seu riso alguns sinais...”

Fotos de Francisco João (direitos reservados)

segunda-feira, agosto 06, 2012

Lisboa ao espelho I


"Outra vez te revejo, cidade da minha infância (...) cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui..."
Álvaro de Campos, Lisbon revisited 1926
Numa cidade plana, o horizonte acaba antes do dobrar da esquina. Esbarra com a paisagem construída. Mas a cidade das Sete Colinas é de vistas bem mais largas, vê-se e revê-se a cada passo, de longe, do alto, alongando-se para o alto ou mergulhando para os vales. E as linhas do horizonte são de ida e volta.
 
Este será o mais óbvio dos reflexos: Tejo, Castelo e volta. É como se Lisboa se visse ao espelho, do alto do Castelo para a superfície do Tejo, ou do espelho das águas do Rio para o alto das muralhas do Castelo.
E se Lisboa se olhasse ao espelho teria razão para perguntar: “Espelho meu, espelho meu: conheces cidade mais bela do que eu?”
Fotos de Francisco João (direitos reservados). Texto de João Francisco.

sábado, agosto 04, 2012

Os séculos da Sé


Diz a tradição que na escada de uma torre da Sé de Lisboa ficou impressa uma cruz, marcada para sempre na pedra pela impressão do dedo do pequeno Fernando de Bulhões, na altura simples menino do coro, futuro Santo António de Lisboa. A Sé de Lisboa terá a idade da nacionalidade portuguesa. Não há vestígios de construção anterior, mas admite-se que sensivelmente naquele local existia à data da conquista a mesquita maior, ou aljama (Alfama?), segundo conta o historiador António Borges Coelho, no II Volume, da sua preciosa História de Portugal.
Construída no estilo românico, provavelmente no reinado do fundador, a Sé foi reconstruída após cada terramoto, ao sabor das modas de cada época, e corrigida de excessos e desmandos arquitetónicos em anos seguintes.
Ainda agora a Sé está em obras, nos claustros, à procura da sua identidade, e em escavações, em busca das suas origens. A Sé de Lisboa não tem rendilhados de pedra, como outros monumentos da cidade. É austera e solene e o que impressiona os visitantes é precisamente a sua austeridade e solenidade. E aquelas pedras que são testemunhas silenciosas de séculos de História da cidade e do País.
Texto de João Francisco. Fotos de Francisco João (direitos reservados).

sexta-feira, agosto 03, 2012

Lisboa Livro aberto

Subindo a Rua de Santo António da Sé, um pouco acima do centenário templo que foi cenário de tanta História, uma pequena livraria anuncia, em várias línguas, “livros sobre Lisboa”, libri, books,livres, bucher. A montra da livraria e galeria Fabula Urbis exibia, quando ali nos detivemos, Pessoa, Tabucchi, diários de viagens pela cidade e pela obra de alguns dos seus poetas e prosadores, com grande incidência em Fernando Pessoa e alguns dos seus heterónimos. A intenção será comercial, num dos locais mais procurados pelos visitantes de cidade. Não há nada a opor. E que Lisboa seja um livro aberto para quem procura esta cidade com tamanha beleza e tanta História. Acontece que Lisboa continua a ser, vista de fora ou de relance por escritores alheios, a mítica cidade da Segunda Guerra Mundial, misto de ninho de espiões ou de terra prometida. “Lisbon: War in the Shadows of the City of Light”, do historiador britânico Neill Lochery, “The Lisbon Route: Entry and Escape in Nazi Europe”, de Ronald Weber, “A Small Death In Lisbon”, de Robert Wilson – que parte dos tempos da II Guerra e vem até à atualidade, numa reconstituição muto fiel da História."Sexta-feira, 9 de Março de 2012, Hotel Olissipo, Parque das Nações, Lisboa", eis Robert Wilson de regresso a Lisboa no seu mais recente romance "Pena Capital". Eis alguns dos títulos sobre Lisboa, vista de fora.
Mas também temos sempre Lisboa vista com o coração perto dos olhos. “Que fazemos, Lisboa, os dois, aqui, na terra onde nasceste e eu nasci?” (Alexandre O’Neill).

Texto de João Francisco. Foto de Francisco João (direitos reservados).