Não sabemos se alta madrugada, quando o último boémio regressa a casa, o poeta Chiado desce do seu pedestal e vai sentar-se a cavaquear à mesa de Pessoa, o fingidor que passa o dia sentado, ali em frente, a posar para fotografias com turistas. A cadeira vazia é um convite explícito. Também não se sabe se alguma vez Camões desceu do seu Largo ou se Garrett subiu da sua Rua para se juntar à conversa. Eça não perderia por nada esses momentos e pouco teria que andar, deixando a Verdade envolta no manto diáfano da fantasia, ali a meio da Rua do Alecrim.
E que diriam um ao outro o autor do Auto das Regateiras e o poeta da Mensagem?
O que se sabe é que o pobre do poeta Chiado, que teve direito a estátua 334 anos após a sua morte, passou a ser um figurante do Largo com o seu nome, desde que a estátua de Pessoa, no dia de Santo António de 1988, se sentou à mesa da esplanada da Brasileira, quase em frente da Havaneza.
Mas o que quer que se passe na conversa entre ambos, nas horas em que a poesia toma conta da cidade, fica com eles. De manhã, quando as pessoas voltam a circular no Largo, o empregado da Brasileira limpou a mesa. E a empregada da Tabacaria Havaneza sorriu.
Texto de João Francisco. Fotos de Francisco João (direitos reservados).
"Conversas secretas" foi título de um programa de entrevistas de Baptista-Bastos na televisão.