Foi Acúrcio
Pereira, chefe de redacção do jornal O Século nos anos 50, quem descobriu que
Armando Baptista-Bastos, então com 19 anos, escrevia com «palavras claras». O
livro de crónicas lisboetas, publicado em 2001, Lisboa contada pelos dedos, demonstra que Acúrcio Pereira sabia
muito bem o que dizia. E aí estão, com toda a clareza das palavras do autor,
crónicas da cidade escritas por quem a ama. E ama, de igual modo, o ofício de
escrever histórias.
Baptista-Bastos
é um grande jornalista que deu em escritor ou será um grande escritor que
começou como jornalista. Ele próprio tem pensado sobre estas duas disciplinas
do ofício de escrever. Escreveu: «Eça impôs o jornalismo como uma disciplina
superior da literatura, e é, talvez, o criador de uma tradição na Imprensa
portuguesa: a que coaduna o "estilo" com essa ética da realidade, que
compreende o jornal como um vector de progresso e de interveniência cívica e
ética, e que faz do jornalista um autor - um autor que medeia o comportamento
social com o acto da escrita».
Abrindo o livro,
aí está a Lisboa contada pelos dedos:
«Lisboa é esta
luz macia, o hissope da fé, o grito vermelho de Álvaro Pais, a tença que Luís Vaz
esmola no Paço, os fados populares e cívicos de Linhares Barbosa contados por Amália,
os velhos de O’Neill, o bagaço de Pessoa, os seios e as ancas das carvoeiras de
Cesário, a escola do paraíso de José Rodrigues Miguéis, o punho vertical e terno
de Ary e as vagabundagens de José Gomes Ferreira, o poeta claro como o cantou Armindo
Rodrigues, outro que a versejou dispersa ao vento. E é também os bairros de Manuel
Mendes, as peregrinações de Norberto Araújo, e as emoções escancaradas de Gustavo
de Matos Sequeira, que vai ali a subir a avenida de braço dado com Leitão de Barros,
discreteando sobriamente sobre o efémero e o eterno chão que pisam.
«- Vai um copinho
de três?
«- Não; de dois.
Já bebi de mais».
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