O Governo
comprou à Câmara de Lisboa o antigo Convento da Boa-Hora, onde funcionou desde
1843 o Tribunal da Boa-Hora. O edifício, que sobreviveu ao Terramoto de 1755 apesar de danificado,
esteve nas últimas décadas em vias de se transformar num hotel de charme,
primeiro, posteriormente numa escola. Um movimento de cidadãos opôs-se
tenazmente à primeira das intenções, recordando que a ligação do antigo
convento à administração da justiça vem de longa data e de tradição muito forte. Ali
funcionou o primeiro tribunal europeu sem aplicação da pena de morte.
A verdade é
que já anteriormente o Tribunal da Boa-Hora fora alvo de polémica em torno da
respetiva memória. O poder judicial acedeu em colocar uma lápide na 6ª Vara Criminal
do Tribunal da Boa-Hora onde, antes da revolução de 25 de Abril de 1974, os
presos políticos eram julgados e condenados em tribunais plenários. Mas para
que o poder judicial acedesse a tal pretensão foi necessária perseverança e
alguma cedência, por parte de antigos presos políticos e também de alguns novos
magistrados. E, mesmo assim, para que se evocasse a existência e a extinção de
tribunais plenários em Portugal, foi necessário consentir que o poder judicial
participasse na redação do texto lapidar, cortando aqui, omitindo ali,
reescrevendo acolá.
E foi assim
que na lápide descerrada na Boa-Hora onde deveria ler-se "foram julgados
inúmeros adversários e presos políticos da ditadura…", se lê apenas "foram
condenados inúmeros adversários do regime". Onde se leria que "a justiça e os
direitos humanos não foram dignificados nem respeitados no Tribunal Plenário",
lê-se simplesmente "A justiça e os direitos humanos não foram dignificados". E
onde se teria lido "O Tribunal não atuava com independência, aceitava e cobria
as torturas e ilegalidades cometidas pela PIDE/DGS, limitava-se, salvo exceção,
a repetir a sentença que a polícia política já tinha definido", não se lê
simplesmente nada.
Mas agora, na
posse definitiva do Ministério da Justiça, o antigo Convento da Boa-Hora
acolherá o futuro Museu do Judiciário e o Centro de Estudos Judiciários que desde a sua criação funcionou na antiga cadeia do Limoeiro.
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