terça-feira, outubro 21, 2014

Bairro dos jornais


Hoje, o jornal A Bola – na Travessa da Queimada - é o derradeiro jornal em papel residente no Bairro Alto. Mas já houve tempo em que redação que se prezasse era no Bairro Alto que se instalava ou hospedava. O matutino O Século, com marcação à zona de delegações de jornais do Porto e de matutinos malditos que saiam sucessivamente em Lisboa – o Diário da Manha de outras Épocas – e depois todos os vespertinos – Lisboa, Capital, República, Popular – tudo era redigido e produzido no Bairro e suas imediações. Só na Rua Luz Soriano moravam o Diário de Lisboa e o Diário Popular. O próprio Diário de Notícias nasceu no Bairro Alto.

Por tabela, no Bairro Alto localizava-se o grosso dos restaurantes, bares e tascas para o pessoal das redações. E como os jornais fechavam tarde, as tascas e restaurantes acompanhavam as horas de fecho.











A hora mágica era a hora do jantar. O restaurante Rina reunia muitos jornalistas locais e outros, vindos de redações fora do Bairro para um convívio certo e seguro. E parava por lá gente da rádio, das revistas, do teatro, do fado, numa cavaqueira que só tinha por limite temporal algum trabalho de fecho no jornal ou o pedido da dona da casa, pois que na manhã seguinte teria que estar cedo às compras na Ribeira. Outro era, quase em frente, o restaurante Primavera, com cartão de apresentação emoldurado com a fotografia de Josephine Baker durante um almoço em Lisboa no Primavera no final dos anos 30. Mais acima ficava e fica o Farta Brutos onde ainda hoje se serve a costeleta de sardinha em memória de José Cardoso Pires, que dirigiu o DL e A Mosca do DL. 

Mesmo à mão ficava a Censura, no 125 da Rua da Misericórdia – antiga Rua do Mundo, nome de jornal -, com serventia para entrega e recolha de provas pela porta da Rua das Gáveas.
Até que um dia fechou o Século, depois a República. Mais tarde fechou o Popular e em seguida o Diário de Lisboa, na mesma rua. A delegação do JN saiu então da Rua da Misericórdia para o edifício do Diário de Notícias, na Rotunda do Marquês de Pombal. A Capital que já se tinha mudado, ainda voltou ao Bairro e depois fechou de vez. Ficaram alguns nomes na toponímia do Bairro. 
Jornais fecharam, jornais deslocalizaram-se para os arredores, onde as rendas são mais baixas. Mas agora, poucos distinguem uma notícia escrita ao telefone e o trabalho de um repórter:
«Repórter é o que vai ali, vem já, olhar rápido, palavra célere», na definição de Armando Baptista-Bastos, grande jornalista recentemente posto fora da lista de colaboradores no DN.

Agora só se fala do tempo dos jornais no Bairro Alto na sala de espera do posto de saúde da Casa da Imprensa, ali ao pé, na Rua da Horta Seca.
Não é saudosismo. Mas alguma coisa se perdeu no tempo.
Texto e fotos Beco das Barrelas/D.R. 

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