O Cais de
Sodré e o Bairro Alto já não são o que eram. E agora, se cá estivesse ou cá
voltasse, como haveria o bom do Dinis Machado de observar e rememorar para escrever
as suas histórias?
“Chegou uma
esquadra, e aqueles a quem chamavam os camones invadiram a cidade tingindo-a
com a brancura das suas fardas (…) Os camones pararam junto do Ângelo, que
estava sentado no seu banco de madeira a experimentar a harmónica, um deles
aproximou-se e disse girls, e fez com o braço o movimento respectivo, we want
girls, o Ângelo disse girl é a tua mãezinha, estás a perceber ou precisas de
explicador?, sim, a tua mãezinha, o camone riu-se para os outros, um deles
avançou e fez uma espécie de passe à Fred Astaire, e de repente o Ângelo já
tinha guardado os óculos e a harmónica no bolso, começou a despachar os
camones, enfiou um pela loja de móveis do Ventura, outro foi cair numa das
cadeiras da Barbearia Hollywood, os camones iam e vinham, o Ângelo tinha-os
juntados todos num molhinho, e vai disto, tudo pelo ar, rumo ao Marocas Papa-Milhas,
que tinha um motocicleta cheia de cromados e a mania das curvas rápidas, ia a
fazer uma bela curva naquele momento, despistou-se, disse foda-se, foda-se,
não mexam na mota, subiu o passeio (...), virou de pantanas o mostruário do Raul Pechisbeque, choveram
colares de vidros, pulseiras, broches e anéis, o Marocas continuou em prova (...), depois
de passar pela banca de peixe do Zeca Trampa, espadanando carapaus e lulas por
todos os lados (...), as pessoas assomavam às janelas, as mulheres gritavam, o bebé
da Gertrudes, que era o melhor pulmão lá do bairro, berrava como nunca (...), o Zuca
diria mais tarde que, tirando algumas partes cómicas que pareciam à Charlot,
aquilo tinha sido uma coisa iglantónica…”
E agora?
Haverá algo de iglantónico para ver e contar?
Dinis Machado,
O que diz Molero
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Beco das Barrelas / Direitos reservados
muito bom!
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