quinta-feira, setembro 20, 2012

Já não é o que era: Iglantónico!

O Cais de Sodré e o Bairro Alto já não são o que eram. E agora, se cá estivesse ou cá voltasse, como haveria o bom do Dinis Machado de observar e rememorar para escrever as suas histórias?
 
“Chegou uma esquadra, e aqueles a quem chamavam os camones invadiram a cidade tingindo-a com a brancura das suas fardas (…) Os camones pararam junto do Ângelo, que estava sentado no seu banco de madeira a experimentar a harmónica, um deles aproximou-se e disse girls, e fez com o braço o movimento respectivo, we want girls, o Ângelo disse girl é a tua mãezinha, estás a perceber ou precisas de explicador?, sim, a tua mãezinha, o camone riu-se para os outros, um deles avançou e fez uma espécie de passe à Fred Astaire, e de repente o Ângelo já tinha guardado os óculos e a harmónica no bolso, começou a despachar os camones, enfiou um pela loja de móveis do Ventura, outro foi cair numa das cadeiras da Barbearia Hollywood, os camones iam e vinham, o Ângelo tinha-os juntados todos num molhinho, e vai disto, tudo pelo ar, rumo ao Marocas Papa-Milhas, que tinha um motocicleta cheia de cromados e a mania das curvas rápidas, ia a fazer uma bela curva naquele momento, despistou-se, disse foda-se, foda-se, não mexam na mota, subiu o passeio (...), virou de pantanas o mostruário do Raul Pechisbeque, choveram colares de vidros, pulseiras, broches e anéis, o Marocas continuou em prova (...), depois de passar pela banca de peixe do Zeca Trampa, espadanando carapaus e lulas por todos os lados (...), as pessoas assomavam às janelas, as mulheres gritavam, o bebé da Gertrudes, que era o melhor pulmão lá do bairro, berrava como nunca (...), o Zuca diria mais tarde que, tirando algumas partes cómicas que pareciam à Charlot, aquilo tinha sido uma coisa iglantónica…”

E agora? Haverá algo de iglantónico para ver e contar?

Dinis Machado, O que diz Molero
 
Fotos do blogue Beco das Barrelas / Direitos reservados

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