Alexandre Farto, artista urbano mais conhecido por Vhils em Lisboa, em Portugal
e no mundo, publicou no Facebook a seguinte
declaração sobre a aceitação da condecoração que lhe foi conferida no 10 de Junho:
«Hoje, dia 10 de Junho de 2015, fui agraciado com o
grau de Cavaleiro da Ordem de Sant'Iago da Espada, a mais antiga ordem
honorífica de Portugal, usada para distinguir o mérito literário, científico e
artístico de cidadãos portugueses.
«Perante a responsabilidade que representa a aceitação
de tal reconhecimento, enquanto português e enquanto artista, foi inevitável
questionar-me sobre a legitimidade e o fundamento desta distinção. Após a
surpresa inicial e após um longo debate interno, decidi, com humildade,
aceitá-la. Faço-o por respeito à sua longa história assim como pelo orgulho que
sinto em passar a fazer, modestamente, parte da História do meu país. Faço-o
como um gesto patriótico para com o país que estimo e que fez de mim a pessoa
que sou hoje.
«Um país não é uma circunstância. É por este motivo
que a aceitação desta distinção não visa dar voz nem força a nenhum contexto ou
posição política. Vejo-o antes como uma oportunidade para a aceitar em nome
daquilo em que acredito, para expressar o amor que tenho por Portugal, assim
como o desamor que tenho pela forma como as prioridades daquilo que deveria ser
um país empreendedor, avançado, justo e socialmente equitativo têm sido
continuamente confundidas com os interesses daqueles que querem que tudo fique
na mesma. Aceito esta distinção em nome da geração mais qualificada de sempre
que se vê forçada a emigrar por falta de oportunidades. A geração desprezada. A
geração das famílias fragmentadas. A geração do talento desperdiçado, cuja
educação, suportada pelo país, se vê agora investida noutros cantos do mundo.
«Aceito esta distinção para dar voz a um
país onde a educação e a formação cultural são valorizadas. Um país onde cada
jovem é visto como um bem e uma oportunidade digna de investimento e não como
um problema. Um país que acredita na arte e no seu enorme poder como educador
social.
«Aceito esta distinção em nome de um país inclusivo e
acolhedor. Um país solidário. Um país heterogéneo, composto por pessoas com
raízes e origens em outros cantos do mundo. Um país que acredita e promove a
participação cívica e política dos seus cidadãos.
«Aceito esta distinção como reconhecimento do meu
trabalho e aquele da minha equipa, como prova de que vale a pena resistir
contra a condescendência e o tipo de mentalidade que nos tenta convencer que
somos pequenos.
«Aceito-a, ironicamente, numa altura em que a nova lei
que estabelece o regime aplicável aos grafitos e outras formas de alteração de
superfícies no espaço público, introduz o conceito de “picotagem”, dando-lhe
especial relevo no contexto desta regulamentação. Uma lei que não foi alvo de
discussão pública e que não soube envolver os vários actores que visa
contemplar.
«Por fim, aceito esta distinção porque acredito que
este país que descrevo já existe na vontade das pessoas e que um dia, através
do nosso esforço, será materializado.
«Um profundo e sentido obrigado a todas as pessoas que
têm apoiado o desenvolvimento do meu trabalho ao longo dos anos.
«Com plena consciência de que muitos outros artistas
deveriam ter sido distinguidos antes de mim, gostaria de estender esta honra a
todos aqueles que nunca irão ser oficialmente reconhecidos, principalmente aos
artistas de rua, do graffiti, e todas as crews de Lisboa. Estendo-a ao meio
onde iniciei o meu percurso e que me apontou um caminho, o meio que fez de mim
a pessoa que sou hoje e ao qual devo muito.
«A todas as periferias deste país, a todos aqueles que
não tiveram as mesmas oportunidades, a todos aqueles que são menosprezados, à
primeira crew de Lisboa, ao Seixal, à Arrentela, à luta do Bairro de Santa
Filomena, à Quinta do Mocho, ao Bairro Verde, à comunidade indígena de Araçaí,
ao Morro da Providência, à Ladeira dos Tabajaras. Esta honra é também vossa.»
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