segunda-feira, novembro 24, 2014

Lisboa nos livros III - Memórias de um Chauffeur de Taxi, de Reinaldo Ferreira, o Repórter X

Um chauffeur de táxi da Lisboa dos anos 20, conhecido como Juca, o Menjou da Estefânia (Menjou dada a parecença do bigodinho com o do actor Adolphe Menjou, americano de Pittsburgh, filho de pai francês), projectou as suas peripécias para o bloco-notas do Senhor XReinaldo Ferreira, o Repórter X, designação de um magazine que o autor publicou. 
E ali ficaram e permanecem nas Memórias, a cidade, a sua geometria, a superfície e o submundo, algumas das suas figuras, reais ou imaginadas pela criatividade fulgurante do Repórter X.
Em Lisboa, há perto de um século, uma boa história poderia ficar ao Repórter, com a bandeirada a um escudo e meio, por 30 escudos em viagens de táxi. A cidade não tinha a extensão que tem hoje. As memórias do taxista cabem entre a Baixa e o Jardim Zoológico, em Palhavã, a Estefânia, Pascoal de Melo, Almirante Reis e a Graça, ou Santa Marta, Gomes Freire e Jardim de Santana, Campo Grande para Norte, Alcântara e Dafundo para Ocidente e daí até Algés ou aos Estoris.

O Repórter X
Em Lisboa, o táxi do Menjou da Estefânia fazia o circuito dos bares e clubes noturnos – Bristol, Olimpia, Montanha, Ritz, Maxim’s, Mayer, Monumental –, ou o périplo dos bancos – Lisboa & Açores, Casa Totta, Ultramarino, Costa & Costa, Credit Lyonnais, Banco Inglês –, a ronda dos hotéis – Hotel de Inglaterra, Americano, Metrópole, Internacional, Galo, o Royal, «de queirosiana memória»  -, a volta dos cafés e restaurantes – Brasileira do Rossio, Cervejaria Alemã, Café Suísso, Leão de Ouro, Martinho da Arcada, Confeitaria Versailles, Tavares (pela entrada principal, na Rua do Mundo, ou pela porta das traseiras, na Rua das Gáveas, com entrada directa para os gabinetes), ou simplesmente as montras da Frutaria da Rua do Carmo ou do Jerónimo Martins.
Algumas personagens apresentadas ao Repórter X pelo Menjou da Estefânia: a dama escamoteada, o cão-camaleão, o meio-homem, a azagaia humana, o legionário bera, a mais célebre jejuadora do mundo, o Lorde gatuno, a Rainha do roubo, o pirata japonês, o carteirista Fresquinho, etc, etc. 
Joel Lima, a maior autoridade em matéria de Repórter X, diz no prefácio da edição das Memórias de um Chauffeur de Táxi editadas pela Colecção Vampiro em 2007, que estas histórias começaram a ser publicadas pelo Repórter X no ABC nº 508, de 10 de Abril de 1930, comportaram 27 partes e seis episódios completos. O sétimo começou a sair no nº 551 do ABC, de 5 de Março de 1931.

Reinaldo Ferreira,filho, 
o poeta
Reinaldo Ferreira, nascido e falecido em Lisboa entre 10.08.1897 e 04.10.1935, jornalista, poeta, dramaturgo, realizador de cinema, ficou conhecido por Repórter X. Deixou uma vasta obra de reportagens ficcionadas. Foi pai de uma filha, Iolanda, e dois filhos, Reinaldo e Oswaldo.
O filho do meio, Reinaldo Edgar de Azevedo e Silva Ferreira, nascido a 20.03.1922, em Barcelona, e falecido a 30.06.1959, em Lourenço Marques, é um grande poeta da língua portuguesa. A obra poética de Reinaldo Ferreira – na qual José Régio encontrou «ressonâncias de Antero e Fernando Pessoa» - foi publicada postumamente. O epitáfio do poeta é um poema de sua autoria:

Mínimo sou,
Mas quando ao Nada empresto
A minha elementar realidade,
O Nada é só o resto.

Sem comentários:

Enviar um comentário