sábado, outubro 06, 2012

Marquês com vista para o Tejo

  
Quando levantou o nevoeiro, o Marquês pôde apreciar a cidade, dois séculos depois da reconstrução. A princípio custou-lhe distinguir o traçado da Baixa da cidade que o arquiteto Eugénio dos Santos reconstruiu sob a sua direção. Havia elementos novos que confundiam profundamente o desenho original e a paisagem circundante, como fossem os edifícios muito altos, que cortavam a vista e a própria luz do Sol, e os chamados automóveis, uma torrente movediça como lava que escoava com dificuldade pelo traçado das ruas. Olha se o Marquês não tivesse previsto avenidas largas? Depois foi identificando os contornos e lá estavam, com efeito, as avenidas estruturantes, onde antes existiam os Becos da Bofetada, da Comédia, do Espera-me Rapaz, do Urinol, o Pátio do Esnoga, a Rua do Chancudo ou a do Pocinho Entre as Hortas. “Porca miséria”, exclamara o Marquês, como se dizia, no seu tempo, nos reinos da Sardenha, Lombardia, Nápoles, entre outros. Sim, lá estavam as ruas Augusta, do Ouro e da Prata, as réguas do desenho pombalino. E ao fundo da Rua Augusta, por baixo do Arco do Triunfo, o Senhor Rei Fidelíssimo D. José I, a cavalo. Uma estampa de estatuária. O Marquês não sabe que o medalhão de bronze que o representa e figura na estátua nem sempre lá esteve. Nem convém dizer-lhe.
 
O Marquês revisita Lisboa, olhando a Baixa de cima do seu pedestal na rotunda com o seu nome, e vendo o rio Tejo para lá da Lisboa reconstruída. E apesar de tudo, gostou do que viu. Principalmente da vista para o Tejo.   

Texto de João Francisco. Fotos de Francisco João / Direitos reservados.

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