quarta-feira, dezembro 10, 2014

Lisboa nos Livros VI – Lisboa contada pelos dedos, de Baptista-Bastos

Foi Acúrcio Pereira, chefe de redacção do jornal O Século nos anos 50, quem descobriu que Armando Baptista-Bastos, então com 19 anos, escrevia com «palavras claras». O livro de crónicas lisboetas, publicado em 2001, Lisboa contada pelos dedos, demonstra que Acúrcio Pereira sabia muito bem o que dizia. E aí estão, com toda a clareza das palavras do autor, crónicas da cidade escritas por quem a ama. E ama, de igual modo, o ofício de escrever histórias.

Baptista-Bastos é um grande jornalista que deu em escritor ou será um grande escritor que começou como jornalista. Ele próprio tem pensado sobre estas duas disciplinas do ofício de escrever. Escreveu: «Eça impôs o jornalismo como uma disciplina superior da literatura, e é, talvez, o criador de uma tradição na Imprensa portuguesa: a que coaduna o "estilo" com essa ética da realidade, que compreende o jornal como um vector de progresso e de interveniência cívica e ética, e que faz do jornalista um autor - um autor que medeia o comportamento social com o acto da escrita».
Abrindo o livro, aí está a Lisboa contada pelos dedos:
«Lisboa é esta luz macia, o hissope da fé, o grito vermelho de Álvaro Pais, a tença que Luís Vaz esmola no Paço, os fados populares e cívicos de Linhares Barbosa contados por Amália, os velhos de O’Neill, o bagaço de Pessoa, os seios e as ancas das carvoeiras de Cesário, a escola do paraíso de José Rodrigues Miguéis, o punho vertical e terno de Ary e as vagabundagens de José Gomes Ferreira, o poeta claro como o cantou Armindo Rodrigues, outro que a versejou dispersa ao vento. E é também os bairros de Manuel Mendes, as peregrinações de Norberto Araújo, e as emoções escancaradas de Gustavo de Matos Sequeira, que vai ali a subir a avenida de braço dado com Leitão de Barros, discreteando sobriamente sobre o efémero e o eterno chão que pisam.
«- Vai um copinho de três?
«- Não; de dois. Já bebi de mais».

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